Sonhei que você sonhava comigo. Mais tarde, talvez eu até ficasse
confuso, sem saber ao certo se fui eu mesmo quem sonhou que você sonhava
comigo, ou ao contrário, foi quem sabe você quem sonhou que eu sonhava
com você. Não sei o que seria mais provável. Você sabe, nessa história
de sonhos — falo o óbvio —, nunca há muita lógica nem coerência. Além
disso, ainda que um de nós dois ou os dois tivéssemos realmente sonhado
que um sonhava com o outro, também é pouco provável que falássemos sobre
isso. Ou não? Sei que o que sei é que, sem nenhuma dúvida:
Sonhei que você sonhava comigo. Certo? Não, talvez não esteja nada
certo. Também não era isso o que eu queria ou planejava dizer. Pelo
menos, não desse jeito embaçado como uma vidraça durante a chuva. Por
favor, apanhe aquele pequeno pedaço de feltro que fica sempre ali, ao
lado dos discos. Agora limpe devagar a vidraça — quero dizer, o texto.
Vá passando esse pedaço de feltro sobre o vidro, até ficar mais claro o
que há por trás. Lago, edifício, montanha, outdoor, qualquer coisa.
Certamente molhada, porque só quando chove as vidraças embaçam. Será?
Não tenho certeza, mas o que quero dizer, disso estou certo, começa
assim:
Sonhei que você sonhava comigo. Agora penso que é também provável que —
se realmente fui mesmo eu a sonhar que você sonhou comigo; e não o
contrário — eu não estivesse sonhando. Nada de sono, cama, olhos
fechados. É possível que eu estivesse de olhos abertos no meio da rua,
não na cama; durante o dia, não à noite — quando aconteceu isso que
chamo de sonho. Embora saiba que — se foi dessa forma assim, digamos,
consciente — então não seria correto chamá-la de sonho, essa imagem que
aconteceu —, mas de imaginação ou invento até mesmo delírio, quem sabe
alucinação. Mas não, não é isso o que quero contar, O que quero contar,
sei muito bem e sem nenhuma hesitação, começa assim:
Sonhei que você sonhava comigo. Parece simples, mas me deixa inquieto.
Cá entre nós, é um tanto atrevido supor a mim mesmo capaz de atravessar —
mentalmente, dormindo ou acordado — todo esse espaço que nos separa e,
de alguma forma que não compreendo, penetrar nessa região onde acontecem
os seus sonhos para criar alguma situação onde, no fundo da sua mente,
eu passasse a ter alguma espécie de existência. Não, não me atrevo.
Então fico ainda mais confuso, porque também não sei se tudo isso não
teria sido nem sonho, nem imaginação ou delírio, mas outra viagem
chamada desejo. Verdade eu queria muito. Estou piorando as coisas,
preciso ser mais claro. Começando de novo, quem sabe, começando agora:
Sonhei que você sonhava comigo. Depois que sonhei que você sonhava
comigo, continuei sonhando que você acordava desse sonho de sonhar
comigo — e era um sonho bonito, aquele —, está entendendo? Você
acordava, eu não. Eu continuava sonhando, mas na continuação do meu
sonho você tinha deixado de sonhar comigo. Você estava acordado,
tentando adequar a imagem minha do sonho que você tinha acabado de
sonhar à outra ou à soma de várias outras, que não sei se posso chamar
de real, porque não foram sonhadas. Mas, se foi o contrário, então era
eu, e não você, quem tentava essa adequação — nessa continuação de sonho
em que ou eu ou você ou nós dois sonhamos um com o outro. Nos víamos?
Quase consegui, agora. Preciso simplificar ainda mais, para começar de
novo aqui:
Sonhei que você sonhava comigo. Depois, fiquei aflito. E quase certo de
que isso não tinha acontecido. O que aconteceu, sim, é que foi você quem
sonhou que eu sonhava com você. Mas não posso garantir nada. Sei que
estou parado aqui, agora, pensando todas essas coisas. Como se estivesse
— eu, não você — acordando um pouco assustado do bonito que foi ter
tido aquele sonho em que você sonhava comigo. Tão breve. Mas tudo é
muito longo, eu sei. Estou ficando cansativo? Cansado, também. Está bem,
eu paro. Apanhe outra vez aquele pedaço de feltro: desembace,
desembaço. Choveu demais, esfriou. Mas deve haver algum jeito exato de
contar essa história que começa e não sei se termina ou continua assim:
Sonhei que você sonhava comigo. Ou foi o contrário? Seja como for, pouco importa: não me desperte, por favor, não te desperto.