quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

O medo de conhecer-se a si mesmo...



Lola, minha querida, nada nesta vida assusta mais o ser humano do que o conhecimento pleno de si mesmo! A jornada para chegar até o nosso âmago não é rápida, nem leve, nem pode ser percorrida sem dor, renúncias e escolhas (sempre difíceis).

Racionalmente todos nós conseguimos construir nossas vidas, nossas profissões, nossas estradas. A nossa capacidade de planejar e executar é algo inquestionável! Todo o ser humano parece vir de fábrica com certo dispositivo cognitivo que o leva a traçar planos longos e muito complexos para alcançar algum objetivo, mas quando a caminhada o leva para o desconhecido das emoções, aí Lola, o bicho pega minha amiga!

Sabe, Clarice certa vez disse que "tinha medos bobos e coragens absurdas", será que ela estava falando sobre o medo que nos dá quando enveredamos na busca do Eu? Será que o nosso pavor de mergulhar fundo em nós é bobo? Será, que nas camadas mais profundas da nossa superfície cotidiana temos coragens absurdas para nos encarar, tal qual Narciso a beira do lago? E se o que vislumbrarmos não for bonito como Narciso, o que fazer?!? Retroceder ou continuar?!? Difícil decisão, né Lola?!? 

Quando estamos sozinhos, completamente sozinhos, e começamos a ouvir o silêncio, percebemos que esse "quase vazio que nos chama" abre as portas para uma viagem a caminho da iluminação de nossas almas e mentes, uma viagem dolorida que deixará cicatrizes mas que fortalecerá o que de melhor possuímos e tirará as camadas que antes julgávamos essenciais e que percebemos o quão vazias eram! 

A primeira parada dessa viagem interior é a pergunta: quem sou eu? Não, Lola! Nada de resposta imediata! Reflita, em silêncio, profundamente sobre o significado dessa pergunta! Nesses últimos cinco meses essa pergunta é uma constante nas minhas meditações ao amanhecer e ao anoitecer. A cada novo dia eu percebo como sou múltipla, complexa e ao mesmo tempo simples. Como se a cada nova camada descoberta de mim mesma me acometesse um espanto e uma euforia inomináveis! É perceber-se como um leque de possibilidades... perceber os diferentes rostos: mulher, menina, estudante, professora, intelectual, filha, irmã, neta, amiga, amor, amante, confidente... Lola! Como sou diversa! E, ao mesmo tempo sou apenas uma! Acredito que quem de vocês se permitir esse primeiro passo perceberá que não há uma resposta no singular pera a pergunta "quem sou eu?", porque não é uma questão de nome/endereço/idade! É muito mais profundo que mero registro identitário!

O segundo ponto leva-nos a refletir sobre a questão: caminho ou descaminho? Perceba, Lola, aqui chegamos a um ponto em que analisaremos se a nossa "programação racional" é realmente aquilo que esperávamos! Analisaremos se nossas paixões e convicções valem a pena! Caminho é aquilo que costumamos seguir, nosso cotidiano, nossa vida racionalmente arrumada... amores, família, trabalho, esse é o trinômio do que chamamos de Caminho! Já o descaminho são as possibilidades! Ah, Lola, esses são infindos! É você parar, olhar e perceber que não importa tua idade nem se você ganha uma boa grana com o teu trabalho, pois, se o teu trabalho não te anima mais nem te traz retalhos de felicidade, então amiga, é hora de pensar em dobrar na próxima curva e seguir outro caminho! Vai ser barista, gourmet, cantor, bailarino, não importa! O que importa é perceber quando é necessário partir e mudar! Sim, Lola, esse ponto também serve para as coisas do coração! Se você se apaixonou, minha amiga, e viveu intensamente essa relação, mas percebeu que um abismo se formou no lugar onde deveria haver uma ponte, então tá na hora de repensar! Cultivar uma relação que estacionou em determinado ponto e não consegue, apesar de todos os esforços, ir para nenhuma direção é receita certa para o desastre! Não, Lola, não estou dizendo que escolher "descaminhos" é fácil! Muito pelo contrário! É muito difícil em certo ponto de nossas vidas escalar o precipício de volta e tomar outra vereda como um viandante que parte de casa rumo ao desconhecido, porque Lola, é exatamente isso! Sair do confortável e desabar no precipício do desconhecido! Vai que ao longo da queda, você encontre alguém que te segure a mão? Que te ajude a ver a luz que brilha naquela profundeza? Mas, aqui, nesse processo de autoconhecimento e mudança interna, nesse ponto específico, descobrimos que decidir partir é o mais fácil, o difícil é conseguir passar pela porta! Até que damos o primeiro passo e percebemos que nem sempre o confortável é garantia de paz e felicidade, o confortável nos domestica, mas não somos seres domésticos, Lola, somos seres inquietos em busca de pessoas e coisas que nos estimulem a pensar, nos desafiem a sermos melhores, mais sábios, mais humanos!

Por fim, é preciso ter consciência que o conhecer-se a si mesmo nos leva à encruzilhada das escolhas e renúncias! Sim, Lola! Sempre que começamos esse mergulho no mais profundo de nós mesmos nos modificamos de forma irrevogável! Nos quebramos, caímos e, então, nos reconstruímos como pessoas diferentes daquelas que deram o primeiro passo dessa jornada! Cada escolha que fazemos vem acompanhada de uma renúncia, e aqui também, temos que ter coragens absurdas! É mais ou menos assim: no dia 14 de setembro de 2013 eu escolhi entrar no avião da TAP que me traria direto para Lisboa, ali, naquela fração de segundo, eu fiz escolhas que mudariam completamente minha vida! Eu abri mão do convívio cotidiano com a família e amigos em busca de um novo horizonte! Reforcei laços com aqueles amigos que comigo vieram! Conheci pessoas lindas que jamais cruzariam meu caminho no Brasil... pernambucanos, paraibanos, cearenses, mineiros, portugueses.... cada um deles me ajudaram a costurar retalhos de felicidade, pequenos momentos no frio ou no sol, conversas densas ou leves, gargalhadas nas ruas... essa escolha me presenteou com seres humanos lindos e que me fazem perceber todos os dias o colorido que a vida tem!!


Lola, conhecer-se a si mesmo não é fácil, nunca será fácil, mas, mais cedo ou mais tarde todos nós passaremos por isso! E quando sua hora vier, não "racionaliza" amiga, apenas sente e vai que no fim do arco-íris pode ser que aches teu pote de ouro!! 

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

O Tempo e seus múltiplos significados....




Há meses uma palavra ronda minha mente, Lola: TEMPO!

Sim, esse pequeno termo do nosso vocabulário - Tempo -  e com significados múltiplos, simples e também complexos. O Tempo pode ser visto, sentido e analisado de tantas formas que acredito ter sido essa pluralidade que me fez demorar em escrever esse texto.

Comecemos pelo Tempo da História - bem, Lola, o tempo da História também é tão diverso e escorregadio quanto qualquer outra significação que se tente dar a essa palavrinha de duas sílabas! Dentro dos teóricos da minha ciência, tem um Mancebo que muito me agrada quando se propõe a analisar esse aspecto histórico. Fernand Braudel vai dizer que na história existe o Tempo de Curta Duração e o Tempo de Longa Duração. Calma, Lola, eu vou explicar! Na curta duração é como se a temporalidade se restringisse ao momento do acontecimento, do fato histórico! Como a bomba atômica que se lançou sobre Nagazaki, você vê todos os anos, ou a cada década o mesmo acontecer por lá, Lola?!? Não né amiga? Então, deu pra entender? Sim? Que bom! Agora, a Longa Duração, bem essa é uma criatura tinhosa, Lola! Na Longa Duração os acontecimentos acontecem durante séculos, o que muda é sua conjuntura e objetivos, mas as características são similares! Como, por exemplo, Lola, as esperanças messiânicas que a humanidade sempre direcionou para o provir de um mundo melhor!

Esse é apenas um pequeno exemplo de como o Tempo pode ser tratado pela História. Mas, deixemos o científico de lado, afinal aqui não é sala de aula, né Lola?!? Sim, sim, aqui é um espaço para as discussões cotidianas, então, levemos o Tempo para o dia a dia!

Falar do Tempo do calendário é algo angustiante, já perceberam? Por exemplo, quando comecei a escrever esse texto, olhei para a data e de repente percebi que sábado fará cinco meses que me joguei nessa aventura no além-mar! Cinco meses em que não convivo com meus mais amados e antigos amigos! Cinco meses que não abraço meus pais, minhas irmãs, minha avó! Cinco meses em que não vou dançar no Burburinho, bar alternativo do Recife onde se toca a melhor playlist de Rock e Blues do mundo ( na minha visão de pernambucana megalomaníaca!)! Cinco meses que não ando pelas ruas pelas quais cresci! Cinco meses que não sinto o cheiro do meu sertão! Putz! Acabo de me lembrar! Mês que vem é carnaval! Primeiro carnaval longe da folia de Momo (isso corta o coração de uma carnavalesca nata como eu!)! Lola, pensar no tempo do calendário é fatal para quem tem tanto por fazer, para quem escolheu ir a um mundo além daquele mundinho cotidiano e confortável! Porque, Lola? Simples, minha amiga! É fatal porque nos mostra o que estamos perdendo, o quanto, possivelmente, estamos perdendo nós mesmos, afinal, ninguém depois de uma jornada voltará a ser o mesmo! É impossível continuar com as mesmas visões de mundo, com as mesmas características! Quando nos damos pelo tempo do calendário, quando percebemos quantas folhinhas já foram arrancadas, percebemos também quantas camadas antigas foram retiradas e quantas novas foram criadas! É alucinante perceber que o Tempo pode nos fazer mergulhar em indagações existenciais e nos leva a perguntar: e agora, para onde?!?

Mas, Lola, há também o Tempo lento, esse é o tempo que dedicamos às coisas que mais nos agrada! Você, Lola, por acaso, conta o tempo que você perde tomando um café e olhando o pôr-do-sol? Ninguém nunca contabiliza esse Tempo, Lola! Nem o mais neurótico entre nós o faz! Porque esse é o tempo de nossas pequenas felicidades! Sim, conheço o ditado que diz se você não é feliz com você mesmo, não vai ser feliz nem assim nem assado... blá...blá...blá.... Acredito, minha querida, que todos nós somos felizes ( à nossa maneira: alguns são mais sérios, outros são Budas felizes, escolhe tua praia!), mas também acredito que somos presenteados com pequenas réstias de felicidade! O tempo que passamos olhando o voo de um pássaro e nos encantamos com seu balé aéreo sempre nos coloca um sorriso no rosto, já percebeu?!? Quando olhamos o fim de tarde, a lua cheia no céu, as estrelas, estamos enlevados em uma contemplação feliz do infinito tão maior que nós, e isso também é um retalho de felicidade que o Tempo nos presenteia! Até mesmo num dia cinza, frio e com chuva, a pequena felicidade chega e nos faz respirar e sentir o cheiro da terra molhada, observar as gotas d'água nas folhas e ver como aos poucos a natureza renasce! O Tempo lento nos dá a possibilidade de apreciarmos pacientemente as pequenas felicidades que nos são oferecidas todos os dias, todos os meses, todos os anos!

Ainda há o Tempo que junta o amor e a felicidade! Não sabia, Lola?!? Pois bem! Esse é o Tempo que dedicamos a algo além de nós mesmos! É quando você está atolada de trabalho e de repente sua melhor amiga te liga e você larga tudo e dá aquele Tempo (que era e não era seu) para ir em seu socorro, ouvir seus grilos e enxugar seu choro! Nesse tipo de Tempo, a palavra é doação! Já pensou? Lembra quando saíamos do supermercado e nos deparamos com uma senhorinha carregando pacotes pesados e levando chuva? Nós oferecemos nossa sombrinha para a abrigar dos pingos, pegamos suas sacolas e a levamos até seu destino, e ali, bem naquele momento, ela sorriu e percebeu que o mundo pode ser mais colorido e menos individualista, pelo fato simples de termos dedicado a ela uma pequena fração de nosso Tempo!Esses momentos em que paramos tudo e vamos ver os amigos? Sair para a balada, tomar café, sentar numa praça e falar do sexo dos anjos, ouvir sobre novas paixões, novos planos, antigas rixas, ah Lola, como é belo esse Tempo! Existe maior prova de amor, respeito e felicidade, do que suspendermos nossas vidas por algumas horas e dedicarmos aquele Tempo aos amigos?!? Essa é uma das provas cabais e incontestes de que nos importamos! É muito mais profundo do que a parábola do Príncipe e da Raposa que todos os dias, as 16h, se encontravam e se cativavam! É como dizer, através do silêncio, "Ei! Estou aqui  pro que der e vier!" Sempre juntos e misturados, numa cacofonia de visões de mundo, linhas de pensamento e por aí vai! É mais profundo do que sexo dedicar nosso tempo ao outro, seja quem for esse outro! É um mergulho nas amplidões humanas, um doar sem pedir nada, ou melhor, talvez, pedindo apenas um pouco do tempo daquele outro para si, e assim, juntos, por pequenos momentos, construir retalhos de felicidade!


Lola, num mundo onde o tempo do relógio nos rege, onde corremos tanto que mal vemos o caminho, perceber que podemos desacelerar um pouco e aproveitar o Tempo conosco e com os outros é uma das dádivas que o universo nos concede! Então, Lola, aproveita teus Tempos e se entrega à jornada!!