sábado, 18 de junho de 2016

Estrada Nova




Essa semana, li um texto que falava sobre a arte de ir embora. Já reparou, Lola, como é difícil ir embora? É difícil abrir mão de lugares, pessoas, sentimentos... é difícil abrir mão de quem éramos para abraçarmos quem seremos... aceitar o novo, o surpreendente, a mudança é algo que todo e qualquer ser humano tem medo, reluta em fazer.

Não é impossível, Lola... o problema é que todos nós ficamos muito confortáveis com as coisas conhecidas... se permitir ir embora é se entregar ao desconhecido... é permitir que o amanhã te surpreenda... é acreditar que não se tem controle sobre a própria vida... deixa só eu contar um segredo para vocês: nós não controlamos nada! Apenas temos a ilusória sensação de controle... mas o controle que nossa mente cria para nos confortar é exatamente isso: ilusão... não é real...

Nossa mente, Lola, nessa questão de ir embora (e em quase todas as questões de nossas vidas) é nossa pior inimiga... porque ela cria cenários... possibilidades... esperanças... mas, quando olhamos de verdade para nós e para o que nos rodeia, percebemos que todas essas construções mentais nascem de nosso apego... das ilusões que construímos sobre nós e sobre os outros... é quando percebemos que muitas vezes não estamos vivendo na realidade, mas no sonho... e viver no sonho é algo árido por ser infecundo e irreal... é preciso ir embora... desapegar... ter coragem... arriscar fluir e viver fora do sonho... o sonho, Lola, é nossa zona de conforto... é o lugar onde tudo dará certo, de uma forma ou outra dará certo... o sonho nos tolhe de perceber os arredores e de ver que a vida é maior, mais bonita e mais simples quando nos despimos do sonho e damos o primeiro passo para o real, o tempo presente... o aqui e agora, único tempo real....

Oswaldo Montenegro tem uma música muito bonita e que trata exatamente dessa questão do ir embora... a música se chama 'Estrada Nova'... ela começa assim...

"Eu conheço o medo de ir embora; não saber o que fazer com a mão; gritar para o mundo e saber; que o mundo não presta atenção"... como eu disse antes, ir embora dá um medo da gota serena... porque ao começarmos esse processo de ir embora ficamos perdidos, sem saber bem o que fazer ou como agir... e percebemos que esse processo de ir embora é nosso, apenas nós podemos fazê-lo, vivê-lo, senti-lo... ninguém mais irá compartilhar isso conosco (o mundo não presta atenção)... ir embora é um processo pessoal de cada um... esse abraçar a mudança é pessoal e intransferível...

"Eu conheço o medo de ir embora; embora não pareça, a dor vai passar; lembra se puder; se não der, esqueça; de algum jeito vai passar..." a arte de ir embora dói... e ir embora dói porque somos humanos e como seres humanos criamos expectativas, apego, ilusões... nos apegamos a lugares, a hábitos, a pessoas, sentimentos... dói nos permitir mudar.. dói deixar-nos ir... dói deixar o outro ir... dói abrir mão dos hábitos e sentimentos... dói abraçar a mudança... é o processo de se permitir ver o novo sol que começa a surgir no final da curva... é a dor do futuro incerto e desconhecido... e por isso tentamos lembrar de tudo aquilo que tínhamos ou temos antes de ir embora... mas é hora de esquecer tudo isso... por mais que doa... porque, a dor vai passar e a vida poderá então fluir...

"O sol já nasceu na estrada nova; e mesmo que eu impeça, ele vai brilhar; [...] eu conheço o medo de ir embora; o futuro agarra a sua mão; será que é o trem que passou; ou passou quem fica na estação?; eu conheço o medo de ir embora; e nada que interessa se pode guardar"...  o sol já nasceu na estrada nova... é isso, Lola... a
arte de ir embora é difícil e dolorida porque somos teimosos demais e medrosos demais em abrir mão do necessário para podermos viver uma vida real e plena... mas, o futuro, qual estrada nova se descortina a nossa frente e chega para todos nós... mesmo que tentemos impedir esse sol que chega... mesmo assim, ele irá brilhar... porque esse é o movimento da vida... a vida nos compele a fluir com ela e a viver o novo... a sermos o novo... o ir embora é apenas o sair do lugar? ou o ir embora é também, e principalmente, ficar no lugar mais sair de si mesmo? é o trem que vai ou a pessoa que fica? eu acredito que o processo de ir embora se dá nesses dois universos...ser o trem que vai para outro lugar é difícil, mas é um movimento mais fácil... agora, ser o alguém que fica e vai embora de si mesmo... aí, Lola, está o movimento mais difícil... tentamos dar significados ao que interessa e percebemos que nada daquilo que interessava poderá ser guardado... porque nós fomos embora de nós e antes o que era muito importante passa a ter menos importância... se modifica... se transforma... porque agora, nesse momento em que estamos indo embora de nós, as coisas novas surgem e ganham brilho insuspeito... ocupam lugares novos que antes eram vividos por interesses antigos...

Todos nós, em algum momento de nossas vidas, conheceremos o medo de ir embora. O meu conselho, Lola, é que mesmo com medo, mesmo que doa, mesmo que queiramos impedir que o sol brilhe numa estrada nova, mesmo assim, sigamos adiante. Partamos! Ousemos ir embora do nosso ‘antigo eu’, de sentimentos que não existiram de forma plena, de hábitos que já não nos servem. Assim, ao irmos embora, estaremos permitindo que o novo surja em toda sua plenitude… partamos dos lugares em nós que não mais nos representam… abracemos a mudança, mesmo com medo…  e, desta forma, estaremos vivendo sempre o tempo presente, deixando o sol do amanhã nos surpreender!!