quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Interpretações Errôneas...

Depois de mais uma overdose de Clarice e bate-papo com as amigas, percebi como, ainda hoje, a mulher ser autêntica e sincera é tão mal interpretado. Nós não podemos, ou melhor, não devemos ser atenciosas, diretas, amigáveis...devemos ser chatas, fechadas e dissimuladas. O mais interessante é perceber que muitas vezes a má interpretação do comportamento do outro não vem de tão longe, mas de muito perto. Amigos, amigas, família...todos trazem em seu subconsciente conceitos pré-concebidos sobre o mundo e o lugar de cada um. E me pergunto: qual o nosso lugar nesse mundo?!? Hoje, pela manhã, uma amiga me ligou para falar de sua profunda mágoa com os amigos, pois os mesmos a interpretaram através de suas óticas machistas e estreitas. A analisaram e decretaram que ela não valeria muito a pena, pois era muito 'amigável com eles e esse comportamento só poderia significar que ela estava 'afim de pegar geral'! Pelo amor de Deus!!!! Ela estava apenas sendo isso mesmo: A.M.I.G.Á.V.E.L!!!! Não existiu nem existe segundas intensões nas ações dela. Aí me lembrei de Clarice e disse: Amiga, Clarice já dizia que a principal busca do ser humano é a liberdade, não a liberdade para 'transgredir', não a liberdade para usar seu corpo ao bel prazer, nem a liberdade de não se ter parâmetros morais, mas a liberdade de SER. E, ela também dizia, que o que o ser humano mais teme é a liberdade de ser ele mesmo!!! Por isso ainda vemos essas leituras toscas e fora da realidade. Bem, me coloquei no lugar dela e percebi que eu também devo ser mal interpretada pelas pessoas que me rodeiam. Será que por eu ser extrovertida, as pessoas vão interpretar meu comportamento como de uma mulher muito dada?!? Será que o cara que eu quero tanto vai pensar que eu sou fácil?!? Será que por ser direta e dizer na lata ele me verá como uma qualquer?!? Será que por vezes tomar a dianteira ele e os outros me verão como atirada demais?!? Será que ele vai pensar "não tenho estrutura para namorar essa mulher"?!? O que aqueles que não nos conhece a funda, amiga, pensarão de nosso jeito de ser?!? Se esquecem eles que nós somos muito mais profundas do que demonstra nossa superfície, eles têm apenas que deixar suas limitações mentais de lado e tentar perceber o que se esconde além da máscara. Lembrei do texto que postei aqui sobre o carma... quando penso em como ele chegou na minha vida e foi como um vendaval que mudou tudo de cabeça para baixo e me deixou como uma menina sem saber o que fazer....e me pergunto hoje se ele também me interpreta apenas pela superfície, isso sim seria uma tragédia. Os nossos pensamentos e nossas visões de mundo não deveriam ser interpretados como algo com intensões escuras, mas sim como verdadeiramente o são: reflexo de experiências de vida, erros, acertos, quedas, etc..etc..ect... Continuo dizendo pros amigos e pro amor: Ei!!! Eu sei bem quem sou, sei bem onde quero chegar, vocês vão caminhar comigo ou vão julgar cada passo que eu der ao longo do caminho?!? O que eu queria, amiga, era que as pessoas fossem honestas e sinceras conosco como somos com elas. Que nos dissessem o que as incomoda, como nós não exitamos em dizer a elas. Que procurassem nos conhecer, verdadeiramente, como somos e não, somente, como mostramos pro mundo que somos. Ninguém quer saber nossos sonhos, medos, angústias, alegrias, dúvidas... nada disso importa. E, para deixar claro, amiga, eles nem têm ideia de como somos, deveras, conservadoras em nossas relações, sejam de amizade ou românticas. Não sabem como somos fidedignas ao que nos propomos fazer, ao que abraçamos. E, pelo que você me relatou, jamais saberão. Continuarão julgando as mulheres autênticas e sinceras por suas ótica distorcidas e obscuras. E continuarão a nos perder ao longo do caminho, pois, esses amigos e amores, nunca são claros com o que querem de nós, não é mesmo?!? Pena que as interpretações errôneas ficam no meio do caminho causando abismos nas entrelinhas dos sentimentos humanos!!!!



quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Guarani-Kaiowá, até quando?!?


Quando os portugueses chegaram nas terras brasilis encontraram seres humanos que viviam em comunhão total com a natureza, seres humanos que não conheciam os costumes vigentes na Europa, nem professavam a fé cristã/Católica, eram os ameríndios, os habitantes primeiros desse nosso imenso país. Para os portuga, os ameríndios eram apenas empecilhos ao seu projeto de expansão territorial, à sua busca por riquezas. No começo, era o escambo, a troca de badulaques como pentes e espelhos em troca da extração do pau-brasil. Depois foi a escravização para o trabalho nas lavouras de cana-de-açúcar, empreitada que não deu o resultado esperado. Mas, durante todo esse processo, os ameríndios foram sendo massacrados, foram sendo dizimados do território nacional.
Até o século XVII, a Igreja Católica não reconhecia o indígena como ser humanos, pois, para ela, o ameríndio não teria alma. Como assim, não teria alma?!? Não eram homens e mulheres e crianças como todos os outros?!? Sua forma religiosa animista tão longínqua do rito sacro cristão era designação de 'bonecos inanimados pagãos'?!? O que é trágico nessa visão Católica da não-alma ameríndia é perceber que o sistema judiciário nacional, perceber que os poderes executivo e legislativo nacional, ainda vêem os ameríndios como os 'sem-alma', haja vista o descaso das autoridades nacionais com os massacres, apropriações indevidas das terras indígenas por grandes fazendeiros (entre eles, caros colegas, a famosa e dissimulada Regina Duarte!) para criação de gado e cultivo. Essa semana, o país e o mundo, souberam do mais novo desrespeito aos nossos irmãos, tios, avós, enfim, aos nossos parentes do ramo ameríndio. Isso mesmo, parentes!!!! Afinal, qual o brasileiro que pode dizer que não tem sangue indígena ou africano em suas veias?!? Nenhum!! Pois bem, essa semana foi divulgado o massacre que está ocorrendo na Região Centro-Oeste Brasileira. A tribo Guarani-Kaiowá está sendo expropriada de suas terras pelo poder judiciário, para beneficiar grandes latifundiários!!! Mas não é só a expropriação da terra o que me preocupa! É  a violência que está prestes a ser desencadeada na região e, ao que parece, os nossos governantes, a nossa imprensa, as nossas celebridades (que pararam o país semana passada para saber quem tinha matado o Max!!!!) estão, de certa forma, fazendo vista grossa ao genocídio que se anuncia!!! Eu me pergunto, será que o capítulo final de uma pífia novela é mais importante do que a vida de seres humanos?!? Eu me pergunto, que tipo de país é o nosso que somente se importa com novelas, futebol e cerveja?!? Até quando iremos fechar os olhos para o que está bem a nossa frente?!? Teremos que esperar mais 512 anos para entender e perceber que não podemos ficar parados, de braços cruzados, esperando a mudança que não vem, porque deveria, na verdade, partir de nós?!? Vamos abrir a boca!!!! Gritar aos quatro ventos nossa indignação!!!! Esqueçam Max, Carminha e Tufão!!! Esqueçam a série A, B e C do brasileirão!!! Esqueçam a cerveja e o boteco!!!! Pelo menos por 24h se preocupem com algo que, verdadeiramente, importa!!!! Entrem em seus twitters, seus facebooks, seus blogs e não falem do que está comendo, do fora que levou, nem de sua roupa nova pra festa de sexta, mas faça um protesto, se coloque a favor daqueles que não conseguem espaço com suas próprias vozes!!!! Porque eu sou filha da terra, descendente de índios, descendente de negros e tenho em minhas veias o sangue guerreiro daqueles que lutam contra as injustiças, daqueles que acreditam e não desistem nunca!!!!!
Priscilla Quirino
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/10/121024_indigenas_carta_coletiva_jc.shtmlhttp://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/10/121024_indigenas_carta_coletiva_jc.shtml



quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Loucura e Solidão





Todos os dias ao sair do meu apartamento, me deparo com uma senhora sentada no banco do jardim do prédio. Ela não fala com ninguém. Vive num mundo particular só dela. Contudo, todos os dias ela sempre está a fazer alguma coisa, ou está comendo, ou está penteando os cabelos, ou está organizando sacolas e mais sacolas e, sempre com um cigarro na boca. Aquela senhora no banco do jardim começou a chamar minha atenção e, então, procurei me informar mais sobre ela. Certo dia disse-lhe "Bom dia!", mas ela nem o notou. Depois de alguns 'bons dias' e nenhuma palavrinha sequer, nem mesmo um olhar de esguelha, fui perguntar ao porteiro se sabia quem era aquela senhora e o porquê dela não falar nunca com ninguém. Foi quando soube que ela era louca. Isso mesmo louca. Não só ela, mas, seus outros dois irmãos também. Então pensei "como deve ser triste viver numa família de loucos"! E o louco deles não é apenas tentar fugir da torpe realidade que nos cerca, não! A loucura deles é viver total e completamente num mundo a parte, irreal (para nós) e solitário. Sempre pensei que soubesse o que é solidão, mas, essa semana descobri que não o sabia de forma alguma. Domingo, por volta da hora do almoço, saí para ir até a padaria (você sabe, professora de segunda a sexta e Isaura só aos sábados, porque domingo é dia santo e ninguém merece ir para a cozinha!) almoçar e, ao passar pelo banco do jardim vi uma cena que me levou lágrimas aos olhos. Aquela senhora, a mesma senhora de todos os dias, estava mais uma vez sentada no banco do jardim, porém, não estava fumando seus cigarros nem comendo um pote de maionese. Não! Ela estava abraçada com um travesseiro. Isso mesmo, abraçada com um travesseiro! E quando eu vi aquilo parei de chofre! Ela não só abraçava o travesseiro, ela o cheirava e o beijava de olhos fechados. Foi então que eu percebi como ela era sozinha. Aquilo sim era solidão. Não essas definições de solidão, que nós, pseudo intelectuais dizemos que é. Mas a solidão real. Profunda e dolorida. A solidão de se estar verdadeiramente sozinho no mundo. Pois, ela vive num mundo só dela. Ela não tem mais ninguém com ela nessa viagem que nós chamamos 'vida'. E então eu percebi que o companheiro de estrada dela era aquele travesseiro. Que era a ele que ela contava seus segredos e devaneios. Era a ele que ela revelava aquilo que lhe ia na mente e no coração. E então, meus olhos turvaram e eu não pude mais ficar ali. Doía demais ver de perto a solidão. Era pungente demais. Era desumano demais. Invasivo demais presenciar aquele momento como um voyer da solidão alheia, voyer da dor alheia. E o pior de tudo, o mais sofrido de tudo, era saber no mais íntimo de mim mesma que jamais poderia aliviar a solidão daquela senhora. Jamais poderia lhe oferecer o acalanto do abraço amigo. Era impossível porque eu não compactuava com sua loucura, eu não estava no seu mundo hipercolorido ou preto e branco. Eu estava à margem disso. Eu estava na loucura nossa do dia a dia. Essa loucura branda, que usamos apenas para fugir, por um fugaz momento, do tormento que é nossa realidade vivente. E a aquilo que eu pensava que era solidão, percebi que era saudade. Nunca senti solidão. Nunca senti aquela dor profunda que vi em seus olhos ao abraçar seu querido e surrado travesseiro. E hoje a noite, apenas alguns minutos antes das doze badaladas, ao chegar do trabalho e entrar no prédio, vejo-a no mesmo banco de jardim, a  abraçar o mesmo travesseiro e a tapar a boca com uma das mãos como quem tenta conter o pranto. Parei de pronto! Meu coração se comprimiu. Minha garganta fechou. E pensei que ia me derramar em prantos ali mesmo. Eu, a que nunca chora, ia derramar as lágrimas de uma vida se ficasse ali mais um minuto. Então, como todo ser humano covarde, baixei a cabeça e comecei a caminhar para o refúgio do meu lar. Mas na minha mente uma frase ressoava "não te preocupes senhora, uma dia a dor passa e, quiçá, nos encontraremos nas voltas desse caminho como duas viandantes dessa loucura que se chama vida!"


Priscilla Quirino

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

O milagre das folhas






Não, nunca me acontecem milagres. Ouço falar, e às vezes isso me basta como esperança. Mas também me revolta: por que não a mim? Por que só de ouvir falar? Pois já cheguei a ouvir conversas assim, sobre milagres: “Avisou-me que, ao ser dita determinada palavra, um objeto de estimação se quebraria.” Meus objetos se quebram banalmente e pelas mãos das empregadas. Até que fui obrigada a chegar à conclusão de que sou daqueles que rolam pedras durante século
s, e não daqueles para os quais os seixos já vêm prontos, polidos e brancos. Bem que tenho visões fugitivas antes de adormecer – seria milagre? Mas já me foi tranquilamente explicado que isso até nome tem: cidetismo, capacidade de projetar no campo alucinatório as imagens inconscientes. Milagre, não. Mas as coincidências. Vivo de coincidências, vivo de linhas que incidem uma na outra e se cruzam e no cruzamento formam um leve e instantâneo ponto, tão leve e instantâneo que mais é feito de pudor e segredo: mal eu falasse nele, já estaria falando em nada.Mas tenho um milagre, sim. O milagre das folhas. Estou andando pela rua e do vento me cai uma folha exatamente nos cabelos. A incidência da linha de milhares de folhas transformadas em uma única, e de milhões de pessoas a incidência de reduzi-las a mim. Isso me acontece tantas vezes que passei a me considerar modestamente a escolhida das folhas. Com gestos furtivos tiro a folha dos cabelos e guardo-a na bolsa, como o mais diminuto diamante. Até que um dia, abrindo a bolsa, encontro entre os objetos a folha seca, engelhada, morta. Jogo-a fora: não me interessa fetiche morto como lembrança. E também porque sei que novas folhas coincidirão comigo.
Um dia uma folha me bateu nos cílios. Achei Deus de uma grande delicadeza.

Clarice Lispector

Por Não Estarem Distraídos




Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que, por admiração, se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e a
o toque – a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras – e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.

Clarice Lispector




Meu nome é Caio F.
Moro no segundo andar,
mas nunca encontrei você na escada. 
    
      Preciso de alguém, e é tão urgente o que digo. Perdoem excessivas, obscenas carências, pieguices, subjetivismos, mas preciso tanto e tanto. Perdoem a bandeira desfraldada, mas é assim que as coisas são-estão dentro-fora de mim: secas. Tão só nesta hora tardia - eu, patético detrito pós-moderno com resquícios de Werther e farrapos de versos de Jim Morrison, Abaporu heavy-metal -, só sei falar dessas ausências que ressecam as palmas das mãos de carícias não dadas.
      Preciso de alguém que tenha ouvidos para ouvir, porque são tantas histórias a contar. Que tenha boca para, porque são tantas histórias para ouvir, meu amor. E um grande silêncio desnecessário de palavras. Para ficar ao lado, cúmplice, dividindo o astral, o ritmo, a over, a libido, a percepção da terra, do ar, do fogo, da água, nesta saudável vontade insana de viver. Preciso de alguém que eu possa estender a mão devagar sobre a mesa para tocar a mão quente do outro lado e sentir uma resposta como - eu estou aqui, eu te toco também. Sou o bicho humano que habita a concha ao lado da conha que você habita, e da qual te salvo, meu amor, apenas porque te estendo a minha mão.
      No meio da fome, do comício, da crise, no meio do vírus, da noite e do deserto - preciso de alguém para dividir comigo esta sede. Para olhar seus olhos que não adivinho castanhos nem verdes nem azuis e dizer assim: que longa e áspera sede, meu amor. Que vontade, que vontade enorme de dizer outra vez meu amor, depois de tanto tempo e tanto medo. Que vontade escapista e burra de encontrar noutro olhar que não o meu próprio - tão cansado, tão causado - qualquer coisa vasta e abstrata quanto, digamos assim, um Caminho. Esse, simples mas proibido agora: o de tocar no outro. Querer um futuro só porque você estará lá, meu amor. O caminho de encontrar num outro humano o mais humilde de nós. Então direi da boca luminosa de ilusão: te amo tanto. E te beijarei fundo molhado, em puro engano de instantes enganosos transitórios - que importa?
      Mas finjo de adulto, digo coisas falsamente sábias, faço caras sérias, responsáveis. Engano, mistifico. Disfarço esta sede de ti, meu amor que nunca veio - viria? virá? - e minto não, já não preciso.)
      Preciso sim, preciso tanto. Alguém que aceite tanto meus sonos demorados quanto minhas insônias insuportáveis. Tanto meu ciclo ascético Francisco de Assis quanto meu ciclo etílico bukovskiano. Que me desperte com um beijo, abra a janela para o sol ou a penumbra. Tanto faz, e sem dizer nada me diga o tempo inteiro alguma coisa como eu sou o outro ser conjunto ao teu, mas não sou tu, e quero adoçar tua vida. Preciso do teu beijo de mel na minha boca de areia seca, preciso da tua mão de seda no couro da minha mão crispada de solidão. Preciso dessa emoção que os antigos chamavam de amor, quando sexo não era morte e as pessoas não tinham medo disso que fazia a gente dissolver o próprio ego no ego do outro e misturar coxas e espíritos no fundo do outro-você, outro-espelho, outro-igual-sedento-de-não-solidão, bicho-carente, tigre e lótus. Preciso de você que eu tanto amo e nunca encontrei.      Para continuar vivendo, preciso da parte de mim que não está em mim, mas guardada em você que eu não conheço.
      Tenho urgência de ti, meu amor. Para me salvar da lama movediça de mim mesmo. Para me tocar, para me tocar e no toque me salvar. Preciso ter certeza que inventar nosso encontro sempre foi pura intuição, não mera loucura. Ah, imenso amor desconhecido. Para não morrer de sede, preciso de você agora, antes destas palavras todas cairem no abismo dos jornais não lidos ou jogados sem piedade no lixo. Do sonho, do engano, da possível treva e também da luz, do jogo, do embuste: preciso de você para dizer eu te amo outra e outra vez. Como se fosse possível, como se fosse verdade, como se fosse ontem e amanhã.

Caio Fernando Abreu

domingo, 2 de setembro de 2012

Uma vez eu disse que a nossa diferença fundamental é que você era capaz apenas de viver as superfícies, enquanto eu era capaz de ir ao mais fundo, você riu porque eu dizia que não era cantando desvairadamente até ficar rouca que você ia conseguir saber alguma coisa a respeito de si própria, mas sabe, você tinha razão em rir daquele jeito porque eu também não tinha me dado conta de que enquanto ia dizendo aquelas coisas eu também cantava desvairadamente até ficar rouco, o que eu quero dizer é que nós dois cantamos desvairadamente até agora sem nos darmos contas, é por isso que estou tão rouco assim, não, não é dessa coisa de garganta que falo, é de uma outra de dentro, entende? Por favor, não ria dessa maneira nem fique consultando o relógio o tempo todo, não é preciso, deixa eu te dizer antes que o ônibus parta que você cresceu em mim de um jeito completamente insuspeitado, assim como se você fosse apenas uma semente e eu plantasse você esperando ver uma plantinha qualquer, pequena, rala, uma avenca, talvez samambaia, no máximo uma roseira, é, não estou sendo agressivo não, esperava de você apenas coisas assim, avenca, samambaia, roseira, mas nunca, em nenhum momento essa coisa enorme que me obrigou a abrir todas as janelas, e depois as portas, e pouco a pouco derrubar todas as paredes e arrancar o telhado para que você crescesse livremente, você não cresceria se eu a mantivesse presa num pequeno vaso, eu compreendi a tempo que você precisava de muito espaço....


Caio Fernando Abreu

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Escrever...

Escrever não é tarefa fácil. Diria até que é a tarefa mais difícil que o ser humano pode executar. Por que escrever não é apenas rabiscar linhas, ou contar alguma coisa. Escrever é botar nestas páginas o que se passa em nossas mentes, o que sentimos bem em nosso íntimo, e nem sempre entendemos o que as linhas preenchidas de tantas páginas querem dizer, não compreendemos o que nós queremos dizer... Escrever sobre o que? Escrever como? Escrever... escrever... escrever... um poema? Um conto? Um romance? Uma trama policialesca? Uma ode? Ou escrever a toa, tudo o que vem na mente? Vamos lá!

"Tudo começou numa manhã, numa manhã de terça-feira, num lugar perdido no mapa. O sol ali era tão quente e tão acolhedor que já começou sorrindo. O choro nada mais era do que uma gargalhada, uma forma emocionada de saudar a vida! E assim nasceu. Numa manhã de terça-feira, com cheiro de sol e alegrias ressonantes. Começou então uma romaria de pessoas para conhecer, sorrir, apertar bochechas, dar broncas, jogar para o ar e colocar no colo. Pessoas que caminhariam sempre com ela. Algumas perto e outras distantes, mas sempre ali. Era o chamado do sangue. Família. Grande. Barulhenta. Ímpar em suas imperfeições e manias. Mas mesmo assim, completavam o cenário daquela menina que também era barulhente, que era birrenta, que era ímpar de tantas formas, que era autêntica! O tempo passou, como sempre passa, e a menina que nasceu ontem numa manhã de terça-feira tornou-se um outro ser cujo sangue pulsa mais rápido e mais forte sempre que ela está sob o sol... o sol que a brindou na sua primeira gragalhada/choro... o sol que marca de forma indelével o lugar em que ela começou sua longa jornada em busca da única coisa que todo ser humano busca a vida inteira: a busca do ser. Todo ser humano, ela percebeu, busca a possibilidade de SER. Não de ser arquiteto, ou médico, ou eletricista, ou gari... ou qualquer que seja a profissão escolhida. Não! Ela percebeu que todo ser humano busca a possbilidade de SER ELE MESMO! É isso aí! Ser ele mesmo!! E ela começou a construir o ser que ela era... e foi descobrindo muito de si ao longo da jornada.... e foi descobrindo muito sobre o mundo ao longo de seu caminho... e percebeu que o mundo (e ela mesma!) não era só branco e preto! O mundo tinha cor! E ela também! O mundo era um caleidoscópio de cores e brilhos e sons! E ela?!? Ela?!? Ela era um caleidocópio de vários tons e faces! Ela era várias e todas ao mesmo tempo! Era sempre uma cara nova a se descortinar na fantástica experiência do autoconhecimento! Dependendo do momento ela era uma romântica... poderia também ser uma cínica... e ser também uma crente... ou uma descrente... solitária... cheia de alegria.... melancólica.... ela descobriu que tinha várias almas... várias cores de pele... várias faces...Deus! Ela tinha em si a capacidade de ser tudo! A capacidade de ser livre de quaisquer rótulos! Ela era sempre mais que uma ao mesmo tempo! A forte! A fraca! A confiante! A insegura! Mas, uma coisa que ela sempre deixava clara a toda gente é que ela era ÚNICA! Jamais existiria ninguém igual a ela! Ela era deusa! A matriarca! A filha mais nova! Ela era a companheira.... a esposa... a amiga... a amante...Porém, seja quem ou o que ela fosse, seja qual fosse sua cor, o som que seu ser propagava... o cheiro que exalava seu corpo... ela sempre era, e sempre seria AUTÊNTICA! Não existe ser mais belo ou mais divino... o universo nunca mais criou nada tão sagrado quanto esse ser.... essa menina.... essa forma perfeita e sublime que é a mulher!"


E assim, começa a difícil arte de escrever... jogando no 'papel' aquilo que a mente vai desvendando ao longo do bater das teclas ou de passear da caneta...




domingo, 8 de julho de 2012

Hoje me deu uma saudade tão grande. Uma saudade que chegou e colocou um sorriso nos meus lábios ao lembrar-me dos momentos belos que a vida me presenteou ao longo destes, quase, trinta e um anos. Saudade do cheiro da casa de vó Iza. Do cheiro que era só dela. Saudade de suas risadas, broncas, ensinamentos, enfim, saudade da minha infância e adolescência que foram tão mais ricas pelo fato dela ter partilhado seu tempo comigo. Saudade dos meus amores, Nadja, Natália, Vitor e Dov, que estão tão longe de mim... saudade de andar descalça pela rua, de brincar despreocupada com os amigos, saudade de tanta gente que passou pela minha estrada e se desvaneceu nas brumas da memória. Saudade do que foi, sem lamentar pelo que poderia ter sido. Enfim, uma saudade boa. Nostálgica. Sadia. Uma saudade que trás consigo memórias de toda uma vida, de toda uma luta, de toda ludicidade da existência, de todos os sonhos e todas as flores que permanecem no meu jardim feliz! Amigos lindos que estão longe (Ezie, Clara, Eva, Thaís...). Amigos lindos que estão perto, mas não nos vemos tanto quanto gostaríamos (Carol, Dóris, Pedro...). Saudade daquelas que dá vontade de sair correndo só para dar um abraço apertado e perguntar: como vai você?  Saudade do tempo em que a vida não cobrava tanto da gente. Do tempo em que as preocupações eram apenas as lições da escola e se ia poder brincar com os amigos no fim de semana. Saudade das risadas e taças de vinho ouvindo um bom som, né Caroles? De ver Nadja ficar vermelha com a Tequila. De andar com Ezie pelo Antigo. Do som do riso de Eva. Saudade do bate-papo com Clara e de sua classe tão inspiradora, mas tão impossível para mim que sou "não clássica"! Rsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrs... Enfim, saudade daqueles e daquilo que me formam, que me dão o chão, que são os melhores pedaços de mim! Saudade, saudade... a única palavra da língua portuguesa que não tem tradução em outras línguas, porque sentir saudade é muito mais do que dizer I miss you.. saudade é um sentimento só nosso... é um fogo que dá no coração e um aperto que pega a alma que não dá para traduzir em nenhuma outra palavra que Saudade...

E para fechar essas elucubrações saudosistas uma linda música para alegrar os coraçõezinhos queridos...