quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Loucura e Solidão





Todos os dias ao sair do meu apartamento, me deparo com uma senhora sentada no banco do jardim do prédio. Ela não fala com ninguém. Vive num mundo particular só dela. Contudo, todos os dias ela sempre está a fazer alguma coisa, ou está comendo, ou está penteando os cabelos, ou está organizando sacolas e mais sacolas e, sempre com um cigarro na boca. Aquela senhora no banco do jardim começou a chamar minha atenção e, então, procurei me informar mais sobre ela. Certo dia disse-lhe "Bom dia!", mas ela nem o notou. Depois de alguns 'bons dias' e nenhuma palavrinha sequer, nem mesmo um olhar de esguelha, fui perguntar ao porteiro se sabia quem era aquela senhora e o porquê dela não falar nunca com ninguém. Foi quando soube que ela era louca. Isso mesmo louca. Não só ela, mas, seus outros dois irmãos também. Então pensei "como deve ser triste viver numa família de loucos"! E o louco deles não é apenas tentar fugir da torpe realidade que nos cerca, não! A loucura deles é viver total e completamente num mundo a parte, irreal (para nós) e solitário. Sempre pensei que soubesse o que é solidão, mas, essa semana descobri que não o sabia de forma alguma. Domingo, por volta da hora do almoço, saí para ir até a padaria (você sabe, professora de segunda a sexta e Isaura só aos sábados, porque domingo é dia santo e ninguém merece ir para a cozinha!) almoçar e, ao passar pelo banco do jardim vi uma cena que me levou lágrimas aos olhos. Aquela senhora, a mesma senhora de todos os dias, estava mais uma vez sentada no banco do jardim, porém, não estava fumando seus cigarros nem comendo um pote de maionese. Não! Ela estava abraçada com um travesseiro. Isso mesmo, abraçada com um travesseiro! E quando eu vi aquilo parei de chofre! Ela não só abraçava o travesseiro, ela o cheirava e o beijava de olhos fechados. Foi então que eu percebi como ela era sozinha. Aquilo sim era solidão. Não essas definições de solidão, que nós, pseudo intelectuais dizemos que é. Mas a solidão real. Profunda e dolorida. A solidão de se estar verdadeiramente sozinho no mundo. Pois, ela vive num mundo só dela. Ela não tem mais ninguém com ela nessa viagem que nós chamamos 'vida'. E então eu percebi que o companheiro de estrada dela era aquele travesseiro. Que era a ele que ela contava seus segredos e devaneios. Era a ele que ela revelava aquilo que lhe ia na mente e no coração. E então, meus olhos turvaram e eu não pude mais ficar ali. Doía demais ver de perto a solidão. Era pungente demais. Era desumano demais. Invasivo demais presenciar aquele momento como um voyer da solidão alheia, voyer da dor alheia. E o pior de tudo, o mais sofrido de tudo, era saber no mais íntimo de mim mesma que jamais poderia aliviar a solidão daquela senhora. Jamais poderia lhe oferecer o acalanto do abraço amigo. Era impossível porque eu não compactuava com sua loucura, eu não estava no seu mundo hipercolorido ou preto e branco. Eu estava à margem disso. Eu estava na loucura nossa do dia a dia. Essa loucura branda, que usamos apenas para fugir, por um fugaz momento, do tormento que é nossa realidade vivente. E a aquilo que eu pensava que era solidão, percebi que era saudade. Nunca senti solidão. Nunca senti aquela dor profunda que vi em seus olhos ao abraçar seu querido e surrado travesseiro. E hoje a noite, apenas alguns minutos antes das doze badaladas, ao chegar do trabalho e entrar no prédio, vejo-a no mesmo banco de jardim, a  abraçar o mesmo travesseiro e a tapar a boca com uma das mãos como quem tenta conter o pranto. Parei de pronto! Meu coração se comprimiu. Minha garganta fechou. E pensei que ia me derramar em prantos ali mesmo. Eu, a que nunca chora, ia derramar as lágrimas de uma vida se ficasse ali mais um minuto. Então, como todo ser humano covarde, baixei a cabeça e comecei a caminhar para o refúgio do meu lar. Mas na minha mente uma frase ressoava "não te preocupes senhora, uma dia a dor passa e, quiçá, nos encontraremos nas voltas desse caminho como duas viandantes dessa loucura que se chama vida!"


Priscilla Quirino

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