Hoje o dia começou com a velha caneca de café (amargo e forte) na tentativa de acordar a mente para a manhã que se descortinava pela minha janela. O passo seguinte era ligar o computador e começar os trabalhos que me esperavam com sua posição imperiosa de urgências, mas, era necessário, depois do café e antes do trabalho, uns pequenos fragmentos de literatura para preencher a alma ainda sonolenta e, eis que me deparo, não com Clarice, mas com meu querido Caio Fernando a dizer: "Será que, à medida que você vai vivendo, andando, viajando, vai ficando cada vez mais estrangeiro? Deve haver um porto." E comecei a elucubração mental... será que nos tornamos mesmo estrangeiros de nós mesmos quando vamos vivendo? Será que, para todos, o universo providencia um porto, ou só para alguns? Questões metafísicas demais para uma mente recém-desperta! Então, continuei na leitura do Caio sem me preocupar em tentar 'decifrar' suas análises dos mais profundos recantos humanos, e me deparei com uma passagem do seu livro "Os Dragões não Conhecem o Paraíso": "Então me vens e me chegas e me invades e me tomas e me pedes e me perdes e te derramas sobre mim com teus olhos sempre fugitivos e abres a boca para libertar novas histórias e outra vez me completo assim, sem urgências, e me concentro inteiro nas coisas que me contas, e assim calado, e assim submisso, te mastigo dentro de mim enquanto me apunhalas com lenta delicadeza deixando claro em cada promessa que jamais será cumprida, que nada devo esperar além dessa máscara colorida, que me queres assim porque é assim que és..." E, a partir desse fragmento, minha mente começa a trabalhar a todo vapor. Começo a pensar na significação de tudo que está contido nessas singelas linhas...o quanto somos humanos, mundanos, por esperar sempre que os encontros que a vida nos traz tenham em si promessas e quereres que se concretizem como leis da física ou postulados da matemática, de forma hermética e precisa... como somos ingênuos em nossa humanidade linda e imatura!! O outro nos chega como uma brisa, sem, necessariamente, ter que nos dar fórmulas ou concretizar promessas que existem somente em nós mesmos! Temos que aprender que o outro só pode nos 'entregar' aquilo que tem, não aquilo que acreditamos que ele possui, não aquilo que possuímos e pensamos estar vindo do outro para nós...isso é uma projeção frustante... é parte integrante de nossa humanidade, infelizmente... nos fere ao longo da caminhada, nos faz tristes, nos leva a pensar na impossibilidade de uma felicidade mítica, a qual buscamos sem cessar nessa loucura que é a vida humana! Sem percebermos que a felicidade está contida, sempre esteve contida, em nós mesmos!!! Tudo bem, podemos ter enveredado por caminhos que nos fizeram menos felizes e um pouco mais tristes... podemos ter nos enredado em histórias que ascenderam nossa felicidade e termos ficado como viandantes perdidos, ainda em suas teias, quando o querer e o quereres se desvaneceu e não fomos suficientemente fortes, não fomos suficientemente nós mesmos, para cortar os fios que nos ligavam àquela história(s) e construir outras teias, outros fios, em outra vereda! Mas, isso também faz parte da nossa condição humana, da nossa necessidade por coisas conhecidas, confortáveis, mesmo que tais coisas levem consigo nossa felicidade! Mesmo que essas histórias estejam, em si, mortas, insistimos nelas, porque nos são familiares, nos são, em certa medida, seguras! É muito amedrontador nos jogarmos no 'desconhecido', nos jogarmos no 'não seguro', arriscarmos voltar a ser felizes em outras histórias, com outras pessoas... e perdemos o verdadeiro fio da nossa vida, e perdemo-nos no nosso caminho, e ficamos infelizes buscando refúgios que não trazem certa culpa... tudo isso por sermos humanos... não! Tudo isso por sermos, bem no fundo, covardes!!! E a vida, meus amigos, não perdoa os covardes! Ela não os tolera, não os favorece... ela leva-os a, em algum ponto do caminho, se enxergarem como tal e se arrependerem por o terem sido!!! E assim, minha mente vai trabalhando e tentando buscar no passado recente (ou no longínquo) quantas vezes me acovardei na escolha entre o 'confortável' e o 'desconhecido'... percebi que foram muitas, mas observei também, que me joguei mais no desconhecido do que me refreei pelo confortável! Isso é bom?!? Isso é ruim?!? Não posso mensurá-lo! Só posso dizer que, felizmente, estou vivendo e sentindo o pulsar dessa vida tão linda e radiante que temos a nossa frente cada vez que abrimos os olhos!!! E termino minha peregrinação dessa manhã pelas sendas da literatura com mais um lindo fragmento de Caio Fernando: "Não chegaram a usar palavras como especial, diferente ou qualquer outra assim. Apesar de, sem efusões, terem se reconhecido no primeiro segundo do primeiro minuto. Acontece porém que não tinham preparo algum para dar nome às emoções, nem mesmo para tentar entendê-las." E assim acontece com a maioria de nós... olhamos para o outro e o outro nos olha, e de repente sabemos que aquele é O OUTRO que esperamos, mas estamos tão acomodados em nós mesmos, tão apegados a histórias findas, que nos sentimos incapazes de nomear as emoções que esse outro nos traz, nos desvela, não conseguimos entender que aquele outro tem uma importância enorme na nossa vida, que aquele outro nos foi enviado para reabrirmos a porta de nossa felicidade!!! Por isso, nesse momento preciso, te digo: Não tenhas medo!!! Abra seus olhos e se jogue, porque, já dizia o sábio poeta: a dúvida e o medo fazem-nos perder coisas que poderiam ser as mais belas e importantes de nossas vidas!!! Vivamos, amigos!!! Vivamos o encontro inominável com o outro e sejamos, mais uma vez, felizes!!!!!!!
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