terça-feira, 9 de dezembro de 2014

As Dores que nos habitam...




Oi, Lola! Cê sabe o quanto sou fã do Caio Fernando Abreu, né?!? Pois então, no meio de milhares de outras coisas que me peguei fazendo hoje, eis que tirei um tempinho para ler o Caio... e ao ler o Caio comecei a pensar em alguns amigos e em suas dores... em como essas dores são tão comuns a nós todos... nenhum de nós escapa delas... é quase como um ritual necessário para se seguir vivendo... o "sentir dor", quero dizer...

O Caio certa vez escreveu "eu me sinto às vezes tão frágil, queria me debruçar em alguém, em alguma coisa; alguma segurança; invento estorinhas para mim mesmo o tempo todo, me dou força, mas a sensação de estar sozinho não me larga"... Quantas vezes essa sensação de solidão nos toma de assalto e nos deixa desnorteados?!? Muitas vezes, Lola... vezes sem conta...

Ao refletir sobre isso comecei a rever o álbum de fotografia da minha mente atrás dos amigos que sentiram essa solidão... essa dor de "estar sozinho" de forma mais profunda e dolorida... porque, Lola, quando permitimos que essa sensação de solidão profunda nos invada, não conseguimos perceber que na verdade não estamos sozinhos... não conseguimos vislumbrar as mãos estendidas ao longo da estrada... apenas encaramos a sombra como se aquilo fosse o começo e o fim de nosso mundinho caótico... 

Lembrei de Antonioni... um amigo que durante anos foi um irmão para mim e por conta da reverberação dessas dores que ele trazia consigo, a ponte entre nós foi queimada como se houvesse havido outro incêndio em Roma... às vezes, as dores são tão profundas e o sentimento de solidão está tão enraizado que, por não vermos outra saída, flagelamos o nosso corpo com coisas que nos aniquilam lentamente e matamos pouco a pouco o amor que tínhamos em nossa vida... Foi assim com Antonioni... ele enveredou pelo caminho do "andar sozinho" e eu fiquei à margem, parada na estrada em que não mais caminharia... Falar da dor dele, e também da minha, não é tarefa fácil... Ano passado, também nesse período de "fim de ano", novembro, eu, aqui em Coimbra, soube que a nossa ponte não seria reconstruída... ele tinha deixado de existir fisicamente... foi pra outro patamar... e aquela dor... dor das solidões não mais compartilhadas foi extinta como se nunca ali estivesse vivido... mas, esse é um exemplo de dor que nos cega e nos faz enveredar por caminhos que inevitavelmente podem levar a desintegração total de nossa existência... (muita paz aí nesse novo mundo pra você, "Oni"!)

As dores que nos habitam nem sempre são explicáveis... elas estão ali, latentes... tentando nos arrastar para sua espiral desarmônica e nos tirar do "eixo"... São dores d'alma... e essas dores não se diluem sem compromisso nosso em eliminá-las... em tentar fragmentá-las.... é mais fácil abraçá-las e buscar fugas e subterfúgios para "amenizá-las".... esquecemos nesse processo de fuga que a fuga não é nada mais que prisão sem grades....

Tenho dores... como o Caio... como o "Oni"... como você e como aquele ali... já enveredei pelo caminho da fuga também... já transgredi... já busquei entorpecer as dores latentes... já me perdi... mas hoje eu me encontrei... eu acordei no meio das dores... as descasquei... as despi... me despi de quem eu era... me reinventei... ainda me reinvento todos os dias... porque as dores ainda existem... dores por aquilo que poderia ter sido... por aquilo que não foi... pela perda... pela distância... pela solidão... pelo autoconhecimento... essa é uma das piores dores... é a dor de ver-se tal e qual se é... conseguir enxergar a luz e também as sombras... e mesmo sentindo essa dor do conhecer-se a si mesmo, conseguir emergir disso e ir descartando o que não se quer mais, aprimorando o que se quer manter... porque é assim, apenas assim, ao nos propormos o autoconhecimento que as dores são eliminadas até chegar o momento em que percebemos que essas dores não eram nada além de manifestações equivocadas do ego... é ao desapegar-se de si mesmo que consegue-se viver de forma plena a vida... sem dores... sem medos... sem solidões...

Por isso, Lola, o meu conselho é que escutes o chamado da vida e, se a dor aparecer, olha bem pra ela analise-a e fragmente-a... porque ninguém, mas ninguém mesmo, evolui nesse mundo... nem se ilumina... se não experimentar um pouco de dor, solidão e silêncios.... 

Então, querida amiga, quando a vida chamar, vai!!! Com medo, dor e tudo... apenas vai e vive!!!!


(…) Começava a ver nas pessoas o que elas não sabiam de si mesmas, e isso era ainda mais terrível. O que elas não sabiam de si era tão assustador que me sentia como se tivesse violado uma sepultura fechada havia vários séculos. A maldição cairia sobre mim: ninguém me perdoaria jamais se soubesse que eu ousara. Ninguém me perdoaria se soubesse que eu sei o que elas são, o que elas eram. — Caio Fernando Abreu

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