Lola, no texto de hoje, me guiarei pela bela canção interpretada por Mercedes Sosa, "Canción de las simples cosas". A letra desta canção sempre toca minha alma. Desde pequena sempre senti uma necessidade inominável de me lançar ao mundo, de conhecer novos lugares, de me aventurar por veredas nunca dantes exploradas. Sempre senti que minha alma tinha um quê de nômade, de cigana. Contudo, durante muito tempo finquei minhas raízes num único lugar, quiçá, por algum medo indizível de me colocar no papel de uma viandante e explorar novos caminhos e novas escolhas, enfim, de lançar-me ao novo de peito aberto e, verdadeiramente, viver!
Com essa minha jornada por terras lusitanas, essa minha ânsia em "engolir o mundo" ficou mais latente e, no meio de descobertas acerca de mim mesma, me tornei criança a apreciar a simplicidade das pequenas coisas. Aqui comecei a dar maior valor ao contato humano... um abraço, Lola, hoje tem muito mais profundidade do que quando eu estava no Brasil! Como a primeira estrofe da canção que dá título a esse texto diz, "uno se despide insensiblemente de pequeñas cosas/ lo mismo que un árbol en tiempos de otoño se quedan sin hojas/ al fin la tristeza es la muerte lenta de las simples cosas/ esas cosas simples que quedan doliendo en el corazón"...
Por vezes sem conta sentimos uma dorzinha latente e insistente em nosso íntimo pela falta das coisas simples... um sorriso ao cruzar com alguém na rua... um telefonema para dizer que se importa... um abraço apertado para se saber que não andamos pela vida sozinhos... essas coisas pequenas e singelas, infelizmente Lola, estão cada dia mais fugazes no nosso corrido cotidiano... Não temos mais tempo para dispor de alguns minutos para observar o pôr-do-sol... rir ao tomar um banho de chuva... não temos tempo nem coragem para dizer "eu te amo"...
Muitas pessoas, minha querida Lola, acreditam que apenas nas coisas elaboradas e esplendorosas poderão encontrar amor e felicidade... muitos são os que se iludem achando que apenas quando chegarem ao "topo" terão aquilo que somente a simplicidade poderia dar-lhes, então, se frustram e se entristecem, até que, como mostra Mercedes, voltem aos lugares em que foram felizes... "uno vuelve siempre a los viejos sitios en que amó la vida/ y entonces comprende como están de ausentes las cosas queridas/ por eso muchacho no partas ahora soñando el regreso/ que el amor es simple, y a las cosas simples las devora el tiempo"... .
Não podemos, contudo, acreditar que aquilo de que abrimos mão para enveredar por outro caminho ainda estará no mesmo lugar, de forma imutável, esperando o nosso regresso. Quando regressarmos aos lugares em que descobrimos as diversas faces do amor, podemos ter a certeza que nada daquilo que amávamos estará lá.. não, Lola, não falo do conceito material de morte, falo de (re)significação, de transmutação de sentimentos e situações, afinal, querida amiga, as coisas, principalmente as simples, evoluem, seguem a corrente do rio da vida e ao nos molharmos novamente nas suas caudalosas margens, suas águas jamais serão as mesmas... portanto, querida, aproveite até a última gota daquilo que a vida lhe concede para que no "regresso" o arrependimento pela "perda" daquele tempo embote, indelevelmente, a luz que antes era apenas sua!
A ordem, Lola, é demorar-se o máximo que pudermos nos lugares que amamos... junto as pessoas que amamos... Pois é aí, nesses "cantos ensolarados" que deixaremos pedacinhos de nós mesmos... será aí onde seremos nós e levaremos o outro conosco... aí será onde nós teremos asas... onde ganharemos asas e iluminação, portanto, "demorate aquí, en la luz mayor de este mediodía/ donde encontrarás con el pan al sol la mesa tendida"... Não, Lola, não percamos tempo (seja apenas o do relógio ou o histórico), porque o tempo, querida, jamais, em hipótese alguma, voltará... nunca mais passaremos no mesmo rio duas vezes... momentos e oportunidades perdidos nunca mais serão revividos... ao dobrarmos na esquina estamos renunciando àquilo que amávamos tal qual o deixamos parado no meio da rua... por isso, não fiquemos apenas na esperança de um regresso ao "mesmo", porque, jamais o "mesmo" será como o deixamos!!
"Por eso, 'Lola', no partas ahora soñando el regreso/ que el amor es simple, y las cosas simples las devora el tiempo!!!"
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