sexta-feira, 4 de março de 2016

A Coragem de Tornar-se Oceano...







Lola, li umas semanas atrás um texto de Osho sobre o Rio e o Oceano... Osho em sua sabedoria nos fala do medo que o rio sente ao deparar-se com a imensidão do oceano... o texto é esse:

"Diz-se que, mesmo antes de um rio cair no oceano ele treme de medo. Olha para trás, para toda a jornada, os cumes, as montanhas, o longo caminho sinuoso através das florestas, através dos povoados, e vê à sua frente um oceano tão vasto que entrar nele nada mais é do que desaparecer para sempre. Mas não há outra maneira. O rio não pode voltar. Ninguém pode voltar. Voltar é impossível na existência. Você pode apenas ir em frente. O rio precisa se arriscar e entrar no oceano. E somente quando ele entra no oceano é que o medo desaparece. Porque apenas então o rio saberá que não se trata de desaparecer no oceano, mas tornar-se oceano. Por um lado é desaparecimento e por outro é renascimento. Assim somos nós. Só podemos ir em frente e arriscar. Coragem! Avance firme e torne-se Oceano!"

Os textos de Osho sempre nos levam a reflexões profundas sobre nós mesmos, não é Lola? Mas como ele bem aponta, o medo do rio em tornar-se oceano é imenso, real e muitas vezes paralisante. Que ser não tem medo ao ver-se diante da imensidão? Acho que nenhum! Todos nós temos medo da imensidão, seja em que forma ela se apresente, não é mesmo Lola?

Nós somos o rio. O Oceano é a imensidão da vida. Os vales, encostas e montanhas são os caminhos que trilhamos nessa nossa jornada terrena. A grande maioria de nós, ao avistar o Oceano a nos chamar sente um frio na barriga, suor frio... porque o Oceano é cheio de altos e baixos... suas ondas são prova disso... o Oceano contém em si uma quantidade imensa de vida.. em todas as suas formas e tipos... o Oceano abraça o planeta Terra de forma constante... o Oceano constrói, destrói e reconfigura paisagens... a força de suas águas molda praias, reduz grandes rochas em pequenos grãos de areia... como não ter medo dele?

Muitas vezes, ao longo de nosso caminho, nos deparamos com pessoas e coisas que aparecem de forma tão singela no curso do rio que somos que despertam em nós o desejo de parar um pouco, apreciar e vivenciar aquela paisagem que o outro é... então, por um tempo ficamos ali, com o nosso curso parado... apreendendo todas as nuances daquela paisagem... daquela encosta... daquele bosque... e quanto mais tempo nos detivermos ali, naquele ponto do caminho, mais aquele outro se agigantará para nós... o sol e sua luminosidade começam a parecer mais brilhantes naquele ponto específico... o prateado da lua parece trazer para aquele lugar, aquele outro, uma aura de magia e encantamento... e quando menos percebemos há ao nosso redor uma espécie de represa. O rio que somos se encontra represado. Nós nos represamos e começamos a viver contidos, restritos a um espaço, a um ser, a uma paisagem... mas, os rios não foram feitos para ser represados, não é Lola?

Ao represar o rio que somos percebemos que há limites.... linhas reais ou imaginárias que nos contém... que nos impedem de expressar na totalidade o que somos e o que sentimos. Ao optarmos por nos represar, estamos optando por calar-nos... estamos optando por não dizer, fazer ou demonstrar àquela paisagem (motivo do nosso represar voluntário) tudo aquilo que trazemos em nossas águas... a imensidão do pequeno rio que também em si contém tanta vida... estamos nos impedindo de falar... de sentir... de tocar... de partilhar as maravilhas que trazemos em nosso curso e que dedicamos a uma paisagem específica... chega um momento em que é preciso escolher... ficar, partir... difícil escolha para um rio tão repleto de sentimentos e de amor em sua pequena imensidão... mas, a certo ponto a escolha precisa ser feita... então o rio começa a pensar em todo o caminho percorrido até aquele ponto.

Muitas encostas foram desbravadas... tantas foram as pedras no caminho... troncos de árvores a princípio intransponíveis, mas que depois de muita persistência conseguiram ser desviados, ou se tornaram em parte integrante do rio e seu curso... o rio que somos carrega em si diversas cicatrizes... nenhum ponto do caminho foi fácil... cada pequeno pedaço de terreno desbravado custou algo do rio... as águas do rio por vezes se turvaram com as lágrimas que nasceram e morreram nele mesmo... outras vezes o rio foi banhado pela chuva cristalina que caía sobre si e lavava todos os resíduos que nele tinham ficado de um obstáculo mais difícil de contornar... outras vezes ele se viu em queda livre em enormes cachoeiras... e lutou bravamente para não se perder nessas quedas o que fez surgissem correntezas vorazes e valentes... Mas tudo isso foi uma preparação para quando o rio chegasse a determinado ponto do caminho... a questão agora era como fluir até o Oceano se o que o rio queria era permanecer ali, naquele ponto do caminho?

O rio então fala com a paisagem, pede passagem a ela... e a chama para ir junto... a paisagem fica indecisa... talvez seja melhor ela ficar e o rio também... é mais confortável não mudar o que de certa forma funcionava tão bem para eles... mas o rio estava sentindo a urgência de se fundir com o Oceano... era o chamado da vida... estava chegando o momento em que o rio não poderia mais ficar parado no mesmo lugar... afinal, no caminho que ainda faltava para que ele chegasse ao Oceano havia muita coisa que o rio sonhava em ver, viver e construir (sim, porque tal qual o Oceano, o rio também constrói e reconfigura as paisagens em seu curso)... então mais uma vez o rio convida a paisagem, aquele lugar, aquele outro, para se juntar a ele nessa jornada rumo ao Oceano... mas as dúvidas assolam o outro... o que será de mim se eu for com o rio e também me tornar Oceano? O que acontecerá se a minha 'zona de conforto' desaparecer? Então aquele outro fica sem saber o que fazer... e pouco a pouco o rio começa, devagar, a criar uma nova passagem... a princípio apenas um minúsculo filete de água começa a desbravar a relva da margem.... não há como demolir a represa... agora é começar a pensar em criar outro caminho... enfim.... o rio, de forma lenta, começa a abrir um minúsculo caminho... e sua água começa a fluir um pouquinho por vez... e a cada pouquinho que sua água flui diminui o seu nível na represa... o rio sabe que esse não é um movimento fácil... ele passou muito tempo ali... e desprender-se daquilo é difícil... mas como tornar-se Oceano? Como abraçar a imensidão da vida se não seguirmos em frente e ficarmos eternamente parados no mesmo lugar?

O rio começa a se desprender... e desprender-se leva tempo... o rio sabe disso... e não espera que tudo o que ele traz em si e que represou por tanto tempo dilua da noite para o dia... no fundo do rio há ainda uma esperança de que a paisagem, de que o outro, resolva enfim perder seus medos e vá com ele rumo ao Oceano... mas, como o rio bem sabe, cada um tem que fazer suas próprias escolhas... o rio só espera que a paisagem, o outro, não espere até o momento em que seu último filete esteja prestes a sair da represa para perder o medo (se é que a paisagem escolherá perdê-lo)... porque nesse momento o rio já estará galgando os novos caminhos que o levarão ao Oceano...

Sim, Lola, não é fácil tornar-nos Oceano... mas se não nos tornarmos Oceano, se não abraçarmos a imensidão da vida a chamar-nos, então, ficaremos sempre 'represados'? Ficaremos sempre olhando a imensidão da vida pela borda da represa? Ficaremos sempre contidos em nós mesmos e nunca viveremos nossa própria imensidão em sua totalidade?

"Só podemos ir em frente e arriscar; coragem! avance firme e torne-se Oceano!... "

Afinal, como bem dizia minha amada Clarice Lispector: o que a vida quer de nós é coragem!   




  

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