Lola, hoje, 08 de março, dizem que é o Dia Internacional da Mulher... interessante é perceber que em 365 dias que existe num ano, apenas um seria "nosso"! Seria cômico se não fosse triste perceber que nada temos a comemorar...Sim, Lola, concordo com você quando dizes que muitas 'conquistas' foram alcançadas... mas de que adianta alcançar esses 'direitos' se por dia milhares de mulheres são violentadas, mortas e espancadas pelos seus companheiros, amigos, familiares? De que adianta alcançar direitos legais, se sofremos constantemente a violência silenciosa e insidiosa?
Simone de Beauvoir, no livro Segundo Sexo, disse sabiamente: "não acredito que existam qualidades, valores, modos de vida especificamente femininos: seria admitir a existência de uma natureza feminina, quer dizer, aderir a um mito inventado pelos homens para prender as mulheres na sua condição de oprimidas. não se trata para a mulher de se afirmar como mulher, mas de tornarem-se seres humanos na sua integridade".
Concordo com Simone, Lola... ainda hoje nós mulheres somos vistas, pela maioria da sociedade, como seres humanos de segunda categoria. Ainda hoje somos olhadas como as detentoras do pecado original, as Evas que tentam Adão... Não acreditas, Lola? Então vamos tentar explicar...
Comecemos falando sobre uma denúncia, que esteve nas redes sociais essa semana, contra os soldados e burocratas da ONU. Segundo a reportagem, soldados do corpo de paz da Organização das Nações Unidas estavam estuprando meninas (crianças de 8 anos de idade em diante eram obrigadas a praticar sexo oral nos soldados) em troca de uma garrafa de água mineral; em troca de comida ou somente pelo prazer de violar meninas, adolescentes e mulheres em situação de risco, em zonas de conflitos étnicos... os países onde tais abusos ocorreram são: Alemanha, Burundi, Gana, Senegal, Eslováquia, Madagascar, Ruanda, República Democrática do Congo, Burkina Fasso, Camarões, Tanzânia, Níger, Moldávia, Todo, África do Sul, Benin, Nigéria e Gabão... Isso apenas em 2015, Lola! Segundo a ONG Code Blue, desde de 2007 são feitas denúncias contra os soldados da ONU, mais de 1000 até o momento, e até agora a ONU não tomou nenhuma providência real e prática para acabar com essa desumanidade e violência a não ser escrever relatórios e ponto final. Se dentro das engrenagem da Organização das Nações Unidas, um órgão criado para auxiliar as sociedades humanas na manutenção da paz e no socorro às vítimas de guerras e conflitos sócio-políticos , existe impunidade para abusadores de mulheres e crianças (ou seja, pedófilos), o que dizer do resto das organizações oficiais dos diversos países do globo terrestre?!?
O texto sobre essa denúncia segue abaixo:
Agora passemos para universos menores, quase particulares...
A violência contra nós mulheres, por incrível que possa parecer para alguns, ocorre, em boa parte das vezes, dentro de nossos próprios lares. E quando eu falo em violência eu não estou aqui falando apenas de violência física não. Eu falo, também, da violência silenciosa, a meu ver muito pior que a física. A violência silenciosa está presente em nossas vidas desde nosso nascimento. Somos condicionadas, desde o berço, a um treinamento exaustivo de como sermos boas moças, boas esposas, boas mães... os ditos brinquedos para meninas são sempre o que, Lola? Bonecas (treino maternal), fogões e panelas (treino doméstico), maquiagem e afins (treino para se manter sempre 'bem cuidada')... porque não podemos ganhar bolas e carrinhos? Porque não podemos brincar de ser bombeiras, médicas, engenheiras? Porque nos confinam desde nossa mais tenra idade à um papel específico? Porque nos tolhem as possibilidades de sermos seres humanos para além do estereótipo esposa-mãe-dona de casa?
Quantas de nós não ouviu de um pai, uma mãe ou um parente qualquer: não se comporte assim, isso é muito feio para uma moça? Não sente de perna aberta, não use roupa curta ou decotada, não fale palavrão, não beba demais, não vá para festas demais, não chegue em casa de madrugada, não faça sexo casual.... todos esses "não faça" são elementos constantes da vida de uma mulher... se fizermos sexo com um homem que não é nosso namorado somos putas... porque uma mulher que goste de sexo não é uma mulher direita... se usamos roupas curtas estamos provocando os homens... se bebemos demais numa festa e ainda estamos com uma mini-saia, então estávamos pedindo para sermos estupradas, desrespeitadas e insultuosamente cantadas... já reparou, Lola, como a culpa de toda a violência que sofremos é sempre nossa?
Parece que além de termos que ser princesas (bem comportadas, vestidas com recato, comedidas no tocante ao sexo, etc, etc, etc) também temos a obrigação de dizer sim e sorrir para todas as investidas indesejadas dos homens, ao longo de nossas vidas... isso não é violência, Lola?!? Claro que sim!!
E o que dizer das mulheres que sofrem violência dos seus companheiros? O índice de mulheres assassinadas no Brasil e no no mundo, por seus companheiros é assustador de tão alto! Diariamente mulheres são espancadas, mortas e violentadas por seus companheiros.... diariamente mulheres sofrem violência psicológica dos homens que deveriam ser seus companheiros, mas que no final tornam-se seus algozes.... A Lei Maria da Penha auxilia as mulheres brasileiras nessa condição, é verdade, mas o nosso sistema (brasileiro e mundial) ainda é muito ineficaz em coagir tais atos... quantas mulheres que agora me lêem, e que sofreram algum tipo de violência, não foram vistas como detentoras da culpa ao irem a um posto policial fazer uma denúncia?!? Muitas, não é? É como se aquele policial nos olhasse como seres merecedores daqueles atos... será que você não o encorajou? será que você não estava se insinuando? será que sua roupa não era inadequada? Imagino que essas são frases clássicas ouvidas por mulheres em delegacias e afins...
E as famílias dos agressores? O filho perfeito e amoroso um agressor de mulheres?!? Jamais! Ela é uma vagabunda que quer destruir a vida do meu filho querido... Hematomas, depressão, choro constante, sobressaltos, olhar assustado e postura defensiva... será mesmo que essas mães e esses pais acreditam que a mulher de seus filhos vive dessa forma porque tudo vai bem no lar e ela é quem tem problema? Será que podemos ser tão cegos assim?!? Sim, Lola, infelizmente podemos...
E o que falar dos trangêneros? Seres humanos lindos que não se identificam com seus gêneros de nascimento e trilham um caminho difícil para que possam viver tal qual como se identificam?!? Se nós que biologicamente nascemos mulheres já sofremos tudo o que sofremos, imaginem o que não sofrem aqueles que tornaram-se mulheres, para usar novamente uma expressão de Beauvoir?!? O preconceito aqui é muito mais profundo, muito mais dolorido, muito mais contundente. Ao exercer o seu direito de ser plenamente aquilo que internamente sempre foi, essas mulheres sofrem muitas vezes a rejeição familiar, a rejeição do grupo de amigos, a rejeição da sociedade... eu já ouvi alguém dizer certa vez: "porque alguém que nasce como homem poderia querer tanto ser mulher?"... As pessoas não compreendem que nós não somos o nosso corpo, nós somos nossas almas... e dentro de cada um de nós há uma identificação e visão de nós mesmos... e chega um momento em nossas vidas que queremos externar aquilo que trazemos dentro.... abdicar do corpo biológico de origem e construir o corpo real do âmago do ser não é para muitos... para dar esse passo é preciso uma coragem imensa e muito, mas muito amor... porque nós não escolhemos quem somos... nós somos... e ser quem nós realmente somos nunca foi algo fácil.... seja em que circunstância for...
Por fim, Lola, ainda existe a violência que eu chamo de orgância... Nós, aparentemente, não somos donas dos nossos próprios corpos! Louco isso, não é querida?!? Mas, veja só... nós não podemos abortar... nós não podemos fazer sexo... nós não podemos usar roupas curtas e decotadas.... nós não podemos deixar os pelos crescerem, nós não podemos NADA! Nossos corpos são propriedade da sociedade... não temos autonomia sobre eles... ou melhor, isso é o que eles querem que nós pensemos e acreditemos, Lola... essa proibição ao corpo é algo tão antigo que me espanta ser tão debatido atualmente... na Idade Média, as mulheres tomavam banho (quando tomavam) vestidas com um camisolão porque segundo a Igreja, era pecado ver a própria nudez... séculos depois... o casal fazia sexo através de um buraco que existia no lençol... marido e mulher não se viam despidos... e ainda hoje esse não pertecimento dos nossos corpos a nós mesmas é algo revoltante! Com todas essas posturas que a sociedade dissemina em relação ao corpo feminino somos constantemente levadas a crer que o corpo da mulher é algo sujo, impuro, feio... que nosso sexo é algo sujo e asqueroso (você já viu Lola, a quantidade de produtos existentes no mercado para higienização da vagina? Até perfume para a vagina existe! Oi?!?)...
Ainda temos um longo caminho a percorrer, Lola, não para sermos respeitadas apenas como mulheres... mas parar que TODAS as MULHERES sejam RESPEITADAS e TRATADAS como SERES HUMANOS e NÃO como SERES DE SEGUNDA CATEGORIA...
Ah! E ainda tem mulheres por aí que diz que o Feminismo é algo que não as beneficia... piada, só sendo piada...
Avante, queridas! Hoje não é ainda o dia de comemorar... hoje é o dia (como todos os demais) de luta! Lutemos!!
Aqui deixo o Mapa da Violência no Brasil de 2015:
"[...] I'm criticized, but all your bullets ricochet
You shoot me down, but I get up
I'm bulletproof, nothing to lose
Fire away, fire away
Ricochet, you take your aim
Fire away, fire away
You shoot me down, but I won't fall
I am titanium
You shoot me down, but I won't fall
I am titanium
Cut me down, but it's you who'll have further to fall
Ghost town and haunted love
Raise your voice, sticks and stones may break my bones
I'm talking loud, not saying much
I'm bulletproof, nothing to lose
Fire away, fire away
Ricochet, you take your aim
Fire away, fire away
You shoot me down, but I won't fall
I am titanium
You shoot me down, but I won't fall
I am titanium
I am titanium
I am titanium
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